O Brasil é conhecido por sua intensa burocracia na esfera pública. Costumamos reclamar dos impactos e das restrições impostas por essa ineficiência a nossa capacidade empreendedora, como leis trabalhistas – complicadas ou sistema tributário incompreensível.

Porém, se olharmos para dentro de nossas empresas, encontraremos também muita burocracia. Alguns de seus sintomas mais comuns são:

  1. Processos desnecessários ou mais lentos do que o habitual para produzir resultados.
  2. Fragmentação de responsabilidades, hierarquias densas.
  3. Formalidade excessiva, fazendo com que decisões de aparência simples exijam múltiplas aprovações.
  4. Avalanche de pedidos de informação (geralmente não coordenados).
  5. Clientes (internos ou externos) frustrados.
  6. Equipes desmotivadas, sem legítima convicção de que contribuem de fato com algo útil – o que frequentemente é interpretado por funcionários recém-contratados como um “choque de culturas”.

Se você observa alguns desses sintomas em sua organização, tenha certeza de que não é um caso isolado!

Burocracia corporativa é um fenômeno amplo, que afeta empresas do mundo inteiro. Em nossa experiência, não é raro ver executivos desperdiçarem 40% de seu tempo em atividades de reporte e outros 30% em reuniões de coordenação relativamente improdutivas. Ao final, apenas 30% do tempo está disponível para, de fato, gerenciarem suas equipes.

Seria apenas engraçado, se não fosse lamentável: o acúmulo de regras, processos, métricas e controles corporativos tem graves impactos negativos. Primeiramente (e de maneira mais visível micro e macroeconomicamente), esse acúmulo drena a produtividade. No entanto, ele também cria desengajamento, sofrimento dos funcionários e frustração dos clientes ou fornecedores (isso se você ainda tiver tempo para ouvi-los).


COMO NASCE A BUROCRACIA

É importante reconhecer que muitos vícios burocráticos nascem de boas intenções. Uma pessoa tenta resolver questões práticas sobre “como fazer as coisas” maximizando a objetividade dos processos e minimizando os riscos associados à variação das respostas dos envolvidos e, de repente, essas regras viram uma burocracia.

Para tanto, usam-se “técnicas de gestão” tradicionalmente apoiadas em estruturas, processos, regras, métricas, scorecards etc. O problema é que o mundo atual está cada vez mais complexo e requer crescente adaptação –
isto é, resposta a demandas contraditórias, como 
compliance versus velocidade, escala versus customização, custo inicial versus valor ao longo do tempo e sustentabilidade.

Para integrar tais demandas e corrigir as insuficiências observadas no funcionamento cotidiano, a tentação de criar mais regras e indicadores é enorme. E, ao fazermos isso, levamos a organização a evoluir, aos poucos, com base em suas restrições internas, e não mais em sua missão. Pronto: nascem os vários “círculos viciosos” da burocracia.

A proliferação de regras e a fragmentação da empresa tendem a diminuir a responsabilidade dos funcionários; torna-se mais fácil esconder-se atrás de uma regra ou culpar outras “caixinhas” da organização por uma falha ou demora de processo.

Regras também reduzem o espaço de manobra e tiram o poder da hierarquia: como tomar decisões de real valor agregado se existe sempre o risco de não cumprir uma das múltiplas (e às vezes contraditórias) regras? No limite, cria-se uma situação de “dependência invertida” dos gestores em relação a suas equipes, que podem sempre invocar alguma regra ou processo para justificar suas ações (ou falta de).

Por fim, regras removem os incentivos da verdadeira cooperação entre os agentes, já que cooperar exige que olhemos além de nossos objetivos e restrições e nos coloquemos no lugar do outro para realmente ajudá-lo.

Para compensar a queda de responsabilidade e engajamento e contornar a falta de cooperação, consomem-se mais recursos (pessoas, tempo, equipamentos, estoque ou capital de giro) a fim de obter os mesmos resultados, se não piores.

Às vezes, pretende-se combater o mal por seus sintomas, com iniciativas de “mudança cultural” e motivação para reverter a produtividade baixa. Não funciona. Elas são recebidas – merecidamente – com desconfiança. É preciso atacar a causa da ineficiência organizacional: a burocracia.

TERCEIRIZAÇÃO DO BACK-OFFICE

No mundo todo, aproximadamente duas em cada cinco empresas recorrem ao outsourcing de processos internos (back-office), a fim de reduzir seus custos, aumentar sua eficiência e garantir conformidades em seus processos.

Uma pesquisa publicada pela Grant Thornton em 2015, com mais de 2 mil empresários em 36 setores de atividade, revelou que, no Brasil, 49% dos empresários já terceirizaram algum processo de back-office em suas empresas, com destaque para a terceirização em áreas como a contábil, a financeira, a fiscal e a de folha de pagamento.

Em um cenário econômico de incerteza, em que os investimentos estão retidos e a otimização de custo é fator fundamental para sustentar o crescimento das organizações, a tendência ao outsourcing deve só se ampliar. O apelo é grande: experiência mostra que a economia gerada logo na fase inicial de implantação chega a 25%. Em
termos de eficiência operacional, é possível uma melhoria de 15%, também nas primeiras etapas.

Um departamento contábil interno, por exemplo, tem alto custo de manutenção, pois requer investimento constante em mão de obra qualificada, tecnologia e atualização profissional da equipe. Além disso, a estrutura fica comprometida em caso de absenteísmo de profissionais da área. Também é muito suscetível a uma série de riscos, já que erros em entregas fiscais, contábeis e trabalhistas podem gerar graves complicações com os órgãos competentes.

Há dois modelos de terceirização: o de contratar serviços de outsourcing e o que é conhecido pela sigla BPO. O primeiro trata da completa terceirização contábil, e o segundo, apenas da automatização do processo contábil.

Com o parceiro adequado em qualquer modelo, a empresa fica mais leve, mantém-se em compliance com suas
obrigações e pode focar a atividade-fim para voltar a crescer.

Por Antoniel Silva – Líder da área de BPO da Grant Thornton Brasil.

COMO ACABAR COM A BUROCRACIA?

REVERTENDO O OVERMANAGEMENT

Com a ascendente demanda durante os anos de alto crescimento do Brasil, muitas empresas contrataram gestores e outros profissionais sem se preocupar muito com a forma como eles estavam organizados. Prestaram atenção insuficiente a suas estruturas de gestão, resultando em camadas redundantes e qualidade inferior de controle.

Um quadro de funcionários ideal depende da função e da presença geográfica da empresa, entre outros fatores, mas, em uma organização eficiente, o gerente típico pode ter de seis a dez subordinados – ou até mais. No entanto, em um número surpreendente de casos no Brasil, os gestores possuem menos de três funcionários subordinados a eles. Em um departamento de recursos humanos, por exemplo, a única responsabilidade de um gerente pode ser supervisionar um funcionário responsável por remuneração, enquanto outro gerente supervisiona um funcionário que processa benefícios.

Esse tipo de arranjo não só é custoso, como também prejudica a iniciativa pessoal que uma organização dinâmica requer. No atual ambiente, as empresas precisam podar a ineficiência de suas estruturas de gestão se elas pretendem alcançar ganhos sustentáveis de produtividade.

Um bom exemplo disso é de uma grande empresa brasileira de bens de consumo que aproveitou a crise
para analisar sua estrutura organizacional e descobriu que, de seus 650 gestores, mais de 50% tinham quatro
ou menos subordinados respondendo a eles – um nível comumente referido como
overmanagement; mais de 90 tinham apenas um subordinado.

Vendo esse cenário, a empresa realizou uma extensa reorganização. Reduziu as camadas de gerenciamento de onze para sete e as equipes com quatro funcionários ou menos se limitaram a 23% do todo. Em resultado, os custos foram cortados e a eficiência organizacional melhorou muito.

Por Masao Ukon – Sócio do Boston Consulting Group (BCG) no Brasil.

O “JEITINHO” BRASILEIRO

Em um ambiente de estagnação ou crise, reduzir a burocracia é uma das alavancas mais poderosas que os gestores têm para ganhar produtividade e criar valor. No Brasil, muitas empresas possuem uma cultura de controle e burocracia – em parte, espelhando seu ambiente externo (esfera pública, particularmente o sistema tributário e os reguladores); em parte, por preocupação com compliance.

Porém a mesma cultura brasileira também apresenta alguns traços muito favoráveis à simplificação dos processos e das organizações: flexibilidade e capacidade de ajuste, empatia e facilidade para cooperar, tolerância à ambiguidade
etc. O “jeitinho” brasileiro, apesar de suas conotações negativas, pode ser uma poderosa vantagem para evitar que a crescente complexidade do ambiente externo das empresas se traduza em complicação em seu ambiente interno.

Muitos exemplos nos mostram que burocracia não é uma fatalidade: algumas companhias brasileiras operam com nível baixo de burocracia, apesar de atuarem em setores em que normas e regras são essenciais por questões de segurança. Temos outros casos de empresas multinacionais pouco burocráticas, mesmo lidando com complexas matrizes de produtos, marcas, mercados e canais. O portfólio diversificado de negócios não impede que muitos grupos familiares mantenham uma cultura pouco burocrática também, incluindo os profissionalizados.

Certamente há muito a fazer, até para melhorar o ambiente externo. Mas temos maneiras de começar essa revolução “de dentro para fora” nas empresas e aos poucos ir vencendo o monstro burocrático.

Jean Le Corre Christian Orglmeister são sócios seniores e diretores-executivos do escritório da consultoria Boston Consulting Group em São Paulo, e Yves Morieux, sócio sênior e diretor-executivo do escritório de Washington. 

*Este conteúdo foi produzido pela HSM, veiculado no dossiê: 15 Caminhos para aumentar a produtividade, na edição nº116 mai/jun de 2017 na Revista HSM Management.