A greve dos caminhoneiros que parou o Brasil em maio de 2018 tangibilizou um grande problema que impacta toda a população: a fragilidade do processo logístico brasileiro .

Isso se dá, por nossa dependência de uma categoria e de um único tipo de transporte – o rodoviário.

Os danos foram generalizados, chegando a superar R$ 15 bilhões, segundo dados do Ministério da Fazenda divulgados em junho do ano passado.

Paralelamente, o setor de logística está sendo sacudido pelas ondas da quarta revolução industrial. Internet das coisas, big data e veículos autônomos estão digitalizando e transformando o transporte de carga dentro e fora das empresas de maneira nunca vista desde a invenção do container.

Pode a tecnologia resolver os problemas infraestruturais, políticos e econômicos que afetam a logística brasileira? 

 

A digitalização do processo logístico

Para startups que estão colocando mais inteligência no transporte – as logitechs (não confundir com a tradicional fabricante de mouse e teclados) –, a resposta é sim.

Empresas estão digitalizando processos logísticos, com acompanhamento de encomendas, gerenciamento de armazéns, gestão de frota e seguros de carga, e crescendo muito.

De acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), existem de 150 a 200 startups atuando no segmento de logística, com o diferencial de serem diagonais a várias outras áreas.

“Digitalizar é aumentar a eficiência, o que significa maior rendimento para o caminhoneiro, que foi o grande problema que motivou a greve de 2018”, diz Rodrigo Mourad, CEO da Cobli, responsável pelo desenvolvimento de uma plataforma de gestão de frota para empresas.

“No Brasil, apenas 10% da frota de transporte de carga está conectada digitalmente, enquanto nos EUA esse número chega a quase 50%. O frotista no Brasil que investe na digitalização consegue ganhos de eficiência de até 450%”, complementa Mourad.

A Cobli é um bom exemplo de logitech com crescimento exponencial. A empresa, que começou com 17 funcionários em 2015, espera chegar a 150 até o fim do ano.

De grandes indústrias às pequenas empresas familiares, gerir eficientemente a área logística é um desafio, ainda mais quando se levam em conta os problemas de infraestrutura do país.

A gestão da frota, o monitoramento do desempenho dos motoristas, os gastos excessivos com combustível e manutenção – tudo isso pode ser monitorado a distância.

“As logitechs oferecem duas coisas: velocidade e confiabilidade na entrega. Isso resulta em um custo menor de logística”, diz Mourad. Segurança, para ele, não faz parte da proposta de valor. “Segurança é como a infraestrutura, não é um valor, é um problema brasileiro.”

O grande trunfo da Cobli é a facilidade de uso de sua plataforma. Apesar de ser baseada nas grandes tendências da disrupção tecnológica deste outono-inverno, como big data, IoT e inteligência artificial, a usabilidade do sistema é transparente, até trivial, para o usuário.

Ele é baseado em um pequeno hardware que é instalado no carro e consegue monitorar remotamente fatores como direção inadequada, excesso de velocidade, rota ineficiente, entre outros. O motorista tem acesso à plataforma por um aplicativo de celular e o responsável pela frota consegue monitorar todos os seus veículos em uma página web.

“O sistema precisava ser fácil de usar para dar certo. Apesar de termos grandes clientes na indústria e no varejo, nosso foco são as pequenas e as médias empresas”, diz Mourad. “Mais de 80% das empresas que atuam nesse mercado têm no máximo 50 veículos. A implementação de um sistema como o nosso traz ganhos muito grandes para elas.”

 

Eficiência no processo logístico que salva vidas

Um bom exemplo é a Bem Emergências Médicas, empresa que há 40 anos gerencia mais de 200 ambulâncias 24 horas por dia para convênios médicos, escolas, clubes de futebol e shows em grandes estádios.

“Com a digitalização, conquistamos uma eficiência muito maior do que utilizando rádio, pois não tínhamos a visão exata da localização das equipes, o que dificultava a alocação. E tempo representa vida nesse ramo”, conta a supervisora da central da Bem, Kátia Marques.

Em vez de uma central se comunicando por rádio com as ambulâncias, a Bem ganhou uma plataforma que identifica imediatamente o veículo mais próximo ao chamado e se ele está em outra ação ou não, alterando rotas de acordo com a demanda. O resultado foi uma redução de 40% do tempo de atendimento e o aumento de 50% no número de chamadas de cada ambulância. Para Mourad, uma tecnologia que deve ter um impacto significativo na logística é o blockchain.

“Com ela será possível coisas ainda muito complicadas, como várias empresas dividirem a mesma frota para se beneficiar de descontos de escala com a montadora, postos de gasolina e oficinas mecânicas.” Um Airbnb de caminhões também é outra possibilidade, reduzindo a capacidade ociosa dos veículos.

Outra tecnologia que ele destaca são os veículos autônomos. “Os carros autônomos vão transformar a logística mais do que os carros motorizados fizeram há 100 anos. Os ganhos para a cadeia logística se darão não só pela eficiência dos trajetos e maior utilização dos ativos, mas muito também pela comunicação entre veículos e empresas – o que aumentará a eficiência do sistema. Além disso, a conexão entre todos os veículos possibilitará novos ganhos, como o maior desenvolvimento do compartilhamento de veículos e a automatização de processos.”

 

 

A uberização do processo logístico

A Mandaê é uma plataforma que organiza a cadeia de suprimentos de encomendas e oferece às empresas que vendem online um serviço de envio com economia de até 35% de gastos com frete. A startup usa algoritmos de IA para descobrir a jornada de transporte mais eficiente, da coleta à entrega na casa do consumidor.

Reunindo um volume alto de encomendas para o mesmo lugar, ela consegue negociar um custo menor e um frete melhor com suas transportadoras parceiras, em um modelo de economia compartilhada. Com esse esquema, é capaz de fazer com que empresas com volume pequeno de envios utilizem transportadoras privadas, tendo um serviço de entrega melhor e por vezes mais barato que o dos Correios.

Para Marcelo Fujimoto, CEO da Mandaê, a cadeia de suprimentos deve passar por grandes mudanças em três áreas no curto prazo. O primeiro é a velocidade. “Com a IoT e a digitalização da logística, a indústria vai conseguir atender muito mais rapidamente a demanda de seus clientes e reduzir seu inventário. Não trabalharemos mais com projeções de vendas mensais, teremos projeções semanais, diárias e, futuramente, em tempo real. Já se fala em logística preditiva, ou seja, a capacidade de atender ao cliente antes mesmo de ele fazer o pedido.”

A segunda é a flexibilidade, com independência de cada componente da cadeia de suprimentos, uma espécie de “uberização”da logística. “Vai ficar cada vez mais fácil terceirizar serviços de entrega, e os fabricantes estão vendo aí uma boa oportunidade de vender diretamente a seus consumidores.” A terceira será a eficiência trazida por robôs e veículos autônomos, que eliminarão gaps de produtividade atuais como desperdício de combustível e rotas ineficientes.

Fujimoto tem uma visão peculiar da questão da logística no Brasil. “A falta de infraestrutura e a burocracia ajudam as startups de logística”, diz ele. “A ineficiência é muito grande, e os ganhos proporcionados pela digitalização são muito maiores do que os obtidos em países mais desenvolvidos. Ainda somos muito incipientes na aplicação dessas novas tecnologias, mas já temos um problema de mão de obra, falta gente especializada em logística no Brasil.”

Fujimoto também vê com bons olhos a entrada da Amazon, com seu esquema vertical de vendas e logística no Brasil. “Ela obrigou os outros players a se mexerem. Logística é um problema gigantesco, não será um player, por maior que seja, que vai dominar este mercado.” A Mandaê atua principalmente com empresas de e-commerce. “Nosso foco continuará sendo as empresas que vendem online, pois esse é um mercado que está crescendo muito rapidamente”.

A empresa recebeu em 2018 um aporte de US$7,1 milhões do Mercado Livre, que vem investindo bastante em tecnologias disruptivas de logística.

De acordo com a Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), um total de 265 milhões de pedidos devem ser efetuados pelos consumidores em lojas online até o fim deste ano, gerando um faturamento ao redor de R$ 80 bilhões.

 

Consolidação do mercado

Todo esse crescimento tem gerado uma grande movimentação de aquisições e consolidações no mercado. Em 2015, a Axado, plataforma de gestão de fretes para e-commerce, comprou a Shipfy, empresa especializada em rastreamento de produtos, fator que contribui muito para reduzir a procura do SAC, melhora a gestão das transportadoras e acaba com uma das maiores dores de cabeça do e-commerce: o extravio de encomendas. No ano seguinte, foi a vez de a própria Axado ser comprada pelo Mercado Livre, por R$ 26 milhões.

Segundo Leandro Bassoi, vice-presidente de logística do Mercado Livre para a América Latina, a aquisição da Axado foi estratégica para ampliar a capacidade da empresa de criar tecnologia em logística. “Com o time do Axado, pudemos criar um sistema de gestão de transportes (TMS – Transportation Management System) em cooperação com nossos times de tecnologia na Argentina”, diz Bassoi. “Depois de implementado no Brasil, o TMS também começou a ser usado na Argentina e no México em outras soluções logísticas, e foi recentemente adaptado para as necessidadesde fulfillment.”

Para ele, a logística no Brasil enfrenta grandes desafios, como a burocracia fiscal, a extensão territorial do País e a falta de investimentos em tecnologia. “Decidimos desenvolver internamente todos os sistemas de gestão para as operações da empresa. Criamos o sistema de gestão de armazéns (WMS), de transportes (TMS), além de aplicativos para uso de motoristas de last mile, e diversos outros sistemas logísticos de operação que são usados internamente na empresa.”

Bassoi afirma que alguns desses sistemas serão disponibilizados em breve para empreendedores do segmento de transportes, para que eles possam realizar entregas do Mercado Livre, sem necessidade de desenvolvimento ou gestão de tecnologia própria.

Ele ressalta a necessidade de investir também em infraestrutura. O Mercado Livre inaugurou nos últimos anos dois centros de distribuição (um em Louveira e outro em Cajamar, no estado de São Paulo), além de quatro centros de cross-docking em São Paulo e cidades da região, que complementam a malha logística.

Bassoi acredita que o uso de veículos autônomos trará um grande impacto no setor, principalmente na intralogística (dentro dos centros de distribuição) para melhorar eficiência e acurácia operacional. “Essas tecnologias estão se diversificando e aumentando os casos de uso, ficando mais adaptáveis a partes do processo, sem necessitar ser o principal ator do centro de distribuição”. Ele também acredita que alguns tipos de uso de drones na intralogística – como contagem de inventário – são tendências com aplicação bastante provável.

No que depender dessas empresas e dos avanços da tecnologia, veremos cada vez mais casos de sucesso em automação logística no Brasil.

Esse texto foi originalmente publicado na  HSM Management, na página 58, edição nº 135, escrito por Heinar Muracy.